Dás-me os bons dias quando ainda estou embrulhada no sono e nos lençóis. Abro os olhos e ofereces-me um sorriso, um beijo e um café. Puxas-me para ti e envolves-me num abraço quente. Falas-me ao ouvido, despertas-me pouco a pouco para o dia que acorda lá fora. Aninhada em ti estou protegida de todos os males, de todos os pesadelos. És a minha casa, a minha âncora, o meu sossego, e não há nada que possa atingir-me.
Sinto falta do teu sorriso travesso e da tua gargalhada fácil. Do som terno do meu nome dito pela tua voz. Do aconchego caseiro do teu abraço apertado.
Falta de sentir o sopro morno do teu hálito no meu pescoço. O peso bom do teu corpo sobre o meu. A urgência da tua língua na minha pele. A fome dos teus beijos.
Sinto falta dos teus olhares cheios de significado. Das tuas carícias que me segredam segundas intenções. Das nossas conversas intermináveis noite dentro, desaguando em manhãs sonolentas e monossilábicas no conforto dos lençóis.
Antecipo a tua falta mesmo quando ainda não foste embora. Adivinho as saudades que vou sentir na tua ausência. Pressinto o vazio dos meus dias sem ti. A dor de sentir que perdi uma parte de mim.
Invade as ruas, as lojas, as casas. Brilha nas luzes e reflecte-se nos espelhos. Pesa nos embrulhos com papel colorido e laçarotes a espreitarem de sacos carregados. Grita “Ho! Ho! Ho!” mesmo para quem não quer ouvir.
O Natal está em todo o lado, mas não em mim.
Rodeia-me mas não me desperta. Dou por ele, mas não me afecta. Entra-me pelos olhos adentro, mas não aquece o meu coração.
Dizem que o Natal é sempre que um homem quiser.
Pois se assim é, vou continuar à espera.
Vou acender as gambiarras e pendurar os enfeites, comer o peru e as azevias, oferecer prendas e sorrir, quando receber as que me oferecem. E desejar Boas Festas, e dar abraços apertados às pessoas de quem gosto.
Ainda à espera.
À espera daquele dia em que também o meu mundo se ilumine, e eu possa enfim sentir que o Natal chegou.
Sim, sei que gostas do que vês. Percebe-se isso pela forma como me olhas de cima a baixo enquanto um sorriso aflora aos teus olhos.
Mas o que estás a ver é apenas o invólucro. O melhor de mim está mesmo lá dentro. Protegido, reservado só para algumas pessoas, aquelas que querem realmente saber quem eu sou e o que me move. Aquelas que se interessam e querem ver o que está para lá do meu simples exterior.
E se queres mesmo conhecer-me, atreve-te.
Atreve-te a olhar bem fundo nos meus olhos, porque às vezes eles dizem mais do que os meus lábios.
Atreve-te a ouvir-me, a encontrar no tom da minha voz as subtilezas que denunciam as minhas paixões e os meus desapontamentos.
Atreve-te a tocar-me, pois só assim te aperceberás da temperatura da minha pele.
Atreve-te a dar-me a mão e deixa que eu te leve a descobrir paisagens infinitas, templos escondidos e sorrisos com alma.
Atreve-te a conhecer as minhas memórias e os meus sonhos, porque o passado é a lava que me moldou e o futuro a opala em que estou a transformar-me.
Atreve-te a fazeres de mim o teu livro de cabeceira.
Caí de quatro quando o vi. Como se tivesse sido fulminada por um raio. Fiquei pregada ao chão, mesmerizada, incapaz de raciocinar. Aplicam-se a mim todos os lugares-comuns habituais para descrever uma paixão à primeira vista. E provavelmente mais alguns que ainda não foram usados.
Não foram os olhos dele, tapados por óculos escuros. Também não foi o corpo, disfarçado pelas roupas meio largas, nem foram as mãos, escondidas nos bolsos das calças.
Terá sido talvez o seu sorriso, luminoso e quente como um dia de Verão. Ou tão só a sua presença, a sua aura de confiança, a forma como entrou e ficou a olhar. Simplesmente a olhar e a sorrir.
A partir desse momento, tudo à minha volta como que se esbateu, e fiquei incapaz de afastar os olhos dele. Como se ele fosse o pólo norte da minha agulha magnética, o farol que rompe a escuridão do oceano onde eu navegava, ele planeta principal e eu apenas um satélite gravitando em seu redor. Apaixonei-me sem razão, sem controlo e sem sequer me aperceber. Desapareceram todas as minhas prioridades, porque o meu único objecto de desejo passou a ser ele, um simples desconhecido, um estranho cuja existência até então eu ignorava completamente e de quem nada sabia.
Foi assim que me apaixonei sem remédio e me deixei afogar naquela paixão. Deixei-me ir até ao fundo, privada de qualquer possibilidade de salvação, porque contrariar o que sentia teria sido impossível, mesmo que quisesse. Deixei que a paixão me esvaziasse, me consumisse até já nada restar de mim. Apenas sobreviveram as cinzas do que eu tinha sido.
E só nessa altura, qual fénix, eu pude renascer. Porque esta paixão foi como a chama de um fósforo – começou com uma explosão, mas ardeu rapidamente até ao fim, e nada sobrou para a alimentar. Aqueceu-me o coração por algum tempo, ofereceu-me um novo fôlego, e dela saiu uma mulher renovada e mais forte.