Há poucas coisas melhores do que o final de uma tarde quente de Verão.
Chegar a casa e descalçar os sapatos, sentir a frescura que sobe do chão, fechar a porta e ficar por uns momentos na penumbra, respirar fundo.
Abrir as janelas do quarto de par em par e fazer a cama de lavado, cheirar o aroma a amaciador dos lençóis, a brisa morna que vem da rua agita os cortinados enquanto ando em volta da cama.
Encher de água um regador plástico colorido e alimentar a terra já seca das plantas que habitam os vasos do alpendre.
Tomar um duche pouco quente com a janela entreaberta, passar a toalha ao de leve pelo corpo para ficar com a pele ainda húmida, que o calor vai acabar de a enxugar em poucos minutos.
Depois sentar-me na varanda com um livro, deixar o cabelo secar ao ar livre, o sol descendo devagarinho até pousar no telhado da casa em frente e a seguir desaparecer.
O jantar é ligeiro e termina com um gelado fresco e macio, um dos meus CDs favoritos gira no leitor e fornece a banda sonora perfeita, enquanto o crepúsculo pinta de laranja e rosa o horizonte.
No princípio é o desejo. Uma vontade de outros lugares, de outros cheiros e sabores. Uma urgência em sair da rotina. Uma necessidade de gestos e olhares diferentes.
Depois vem o sonho. A memória de uma fotografia colorida, de um texto lido em criança ou uma revista folheada anos atrás. O exercício da imaginação que de repente se transforma em ansiedade.
Vou atrás do chamamento e tomo a minha decisão. A partir daí já não há retorno. Fico febril de impaciência. Leio, pesquiso, procuro. Escolho o local, a época, o mês. Faço contas, traço limites. Analiso possibilidades. Estabeleço comparações. Planeio ao pormenor, anoto o que me parece mais importante – mas com o cuidado de deixar espaço para o imprevisto, para o improviso, para a surpresa. Recolho informações sem fim, escrevo, imprimo… Fico obcecada e frenética.
A tranquilidade só chega no momento em que corro o fecho da mala. Respiro fundo, simultaneamente com alívio e satisfação. Olho em volta, despeço-me mentalmente, pego nas coisas, tranco a porta depois de sair.
Quando desço as escadas o meu espírito já está longe, precedendo-me no espaço e no tempo.
Sinto-me leve e feliz. Estou a caminho. Vou viajar.
Noite morna de Verão num ano qualquer. A lua sobe no horizonte, assomando por detrás da muralha do forte. Cheia e brilhante, deixa no mar de breu um rasto leitoso.
Os teus braços rodeiam os meus ombros, o teu rosto encostado ao meu, os dois olhando na mesma direcção.
Um cenário de paz, uma sensação de segurança, o meu coração preenchido e em sossego.
É isto a felicidade.
Noite fresca de Outono alguns meses depois. A lua mostra-se entre nuvens esparsas que mancham o céu num dégradé de tons cinzentos, pairando sobre os telhados. Cheia e com um halo à volta, prometendo chuva.
Estou atrás das vidraças, olhando as árvores e a serra, sentindo o frio da noite que se instala e as saudades dos braços que estão longe, roubados aos meus pelo dever.
Longe daqui há uma ilha onde a mesma lua se ergue atrás de um anfiteatro natural iluminado por milhares de luzes, e onde tu a prendes para sempre numa fotografia.
A minha felicidade está a mil quilómetros de distância.
Noite gélida de Inverno vários anos passados. A lua exibe-se sobre o rio e a ponte, atraindo os olhares. Cheia e bela, dona do céu nocturno.
Estou sozinha dentro do carro que conduzo rumo a mais uma noite longa. Já há muito tempo que não sei o que é sentir os teus braços à volta dos meus, desde que partiram para outros abraços.
A noite está calma e eu conduzo descontraída, mas por vezes o pensamento foge-me para outras realidades.
O meu coração está adormecido e a felicidade é apenas sonhada.
Noite perfumada de Primavera num ano indefinido. A lua paira por cima das árvores, iluminando a noite. Cheia e provocante, enchendo a noite de promessas.
Passo o portão do parque e no espaço amplo e aberto do pátio empedrado distingo logo a tua silhueta. Dás-me um beijo de boas vindas e os teus braços fecham-se sobre as minhas costas.
Aspiro o teu cheiro ainda familiar e o mundo volta a fazer sentido.
A minha felicidade regressou. E a lua é (ainda e sempre) a mesma.