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A vida e outros acasos

A vida é uma coisa. O amor é outra. (Miguel Esteves Cardoso)

A vida e outros acasos

A vida é uma coisa. O amor é outra. (Miguel Esteves Cardoso)

As ruas de Lisboa

As ruas de Lisboa sobem e descem serpenteando pelas colinas, e desdobram-se em escadinhas, becos e miradouros, desembocam em praças e rotundas, contornam jardins, museus e monumentos. Têm varandas e janelas floridas, balaustradas e portões de ferro forjado, portas de vidro, de madeira, de metal. Têm roupa estendida, nos bairros antigos, e fachadas com azulejos pintados à mão. Têm edifícios que se iluminam com mil cores quando cai a noite, e jacarandás que atapetam de roxo o chão no mês de Maio.

As ruas de Lisboa têm pedras soltas nos passeios de calçada portuguesa e paredes grafitadas. Têm mendigos de mão estendida e poças de água suja quando chove. Têm pombos sôfregos que correm de um lado para o outro, gaivotas desorientadas em telhados longe do rio, e bandos de estorninhos barulhentos e assustadiços. Têm tapumes de obras e andaimes, buracos traiçoeiros e tampas metálicas desniveladas no alcatrão. Têm árvores aqui e acolá, postes de iluminação e papeleiras, painéis com publicidade, toldos e néones de cores vivas.

Pelas ruas de Lisboa correm eléctricos amarelos ou vermelhos, e autocarros que eram laranja mas agora têm as cores da publicidade que ostentam. Passeiam carros anfíbios com focinho de hipopótamo, carochas descapotáveis de cores pastel, tuc-tucs decorados com imitação de azulejo, bicicletas com as mais variadas formas, e carrinhos que parecem de feira mas andam à solta enchendo a cidade de rateres. Ouvem-se buzinadelas e travagens, cheira a fumos de escape e o trânsito vira inferno de manhã e ao fim da tarde. As entradas do Metro são bocas cinzentas que engolem as pessoas uma a uma e depois as regurgitam em grandes golfadas.

Nas ruas de Lisboa há homens e mulheres que caminham apressados, o olhar perdido como zombies, a mente divagando sabe-se lá por onde. Há pessoas paradas a conversar, sentadas à espera de um transporte público, passeando vagarosamente enquanto olham as montras ou falando para o microfone do telemóvel. Há turistas de câmara ao pescoço e mapa na mão, estudantes de mochila às costas e ténis nos pés, crianças puxadas pelas mãos dos adultos. Há esplanadas cheias de gente quando o sol brilha, e chapéus abertos em correria quando chove.

Nas ruas de Lisboa flui a energia que anima uma cidade.

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Manhã de chuva

 

Há qualquer coisa de paz numa manhã de chuva.

Qualquer coisa de quietude, de sossego, como se a natureza estivesse completamente concentrada em despejar chuva às catadupas e o mundo inteiro parasse para assistir.

Qualquer coisa de imobilidade, de letargia, como se um soporífero se insinuasse lentamente, toldando os movimentos, e apenas o olhar permanecesse, fixo, mesmerizado pela chuva que cai, o espírito embotado, paralisado.

Qualquer coisa de fascinante numa manifestação tão comum e no entanto tão incontrolável, tão facilmente explicada pelas leis da física e da química, e ao mesmo tempo tão para lá da simples compreensão.

Qualquer coisa de melancolia, de pequenina dor agradável, de abandono e solitude, mas também de aconchego, de envolvimento.

Há qualquer coisa numa manhã de chuva que me faz sentir de regresso ao útero.

 

 

Eu queria a Primavera

 

Eu queria a Primavera.

Queria um céu límpido, onde apenas um jacto cintilante rompesse a harmonia do azul, no seu voo rumo ao desconhecido.

Queria um raio de sol brilhante e morno atravessando o vidro da janela e deixando a sua marca na madeira do chão da sala.

Queria um campo verde a perder de vista, pontilhado de azedas radiosas e papoilas vibrantes, que um melro manchasse de negro saltitante e acordasse com o seu canto.

Queria a alvura de um lençol secando ao ar livre, só levemente agitado por uma brisa transportando o cheiro das amendoeiras em flor.

Queria sorrisos abertos nos rostos das pessoas com quem me cruzo, e gargalhadas francas a quebrarem o silêncio da tarde amena.

Queria os sons agudos de crianças a brincarem no parque, de campainhas de bicicletas pedaladas por pés pequenos, de bolas chutadas entre irmãos.

Queria uma porta escancarada no meu coração sonâmbulo, onde entrassem emoções e saíssem sentimentos, um coração a bater forte e com vontade.

Eu queria muito.

Mas lá fora há apenas um dia cinzento e um céu que chora lágrimas grossas.

 

 

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