Música
Manhã cedo. A plataforma da estação está cheia de gente. Falta pouco para o comboio chegar.
Os altifalantes debitam o sinal sonoro que precede um aviso, e há um murmúrio colectivo. Já sabemos o que vamos ouvir: que o comboio foi suprimido e o próximo só passará dentro de um quarto de hora.
Sinto a irritação subir por mim acima. Vou chegar atrasada ao trabalho outra vez. Não que isso me traga grandes problemas, mas aborrece-me. Estas falhas são constantes, e agora nunca sabemos com o que podemos contar.
Como habitualmente, estou de auriculares nos ouvidos. Hoje é um programa de rádio que me faz companhia. Som leve e conversa animada. Começa a ouvir-se uma daquelas músicas de dança mais em voga, cheia de ritmo e energia.
E a magia acontece. De repente, noto que o ar está morno e o céu azul. À minha volta tudo parece adquirir um outro brilho. Sinto uma enorme vontade de mexer o corpo, de dançar, ali mesmo, no meio de toda aquela gente. Imagino-me às voltas, a abanar os braços, a bater os pés ao compasso da música. Imagino os olhares estupefactos das pessoas, os risos. Imagino que alguém se junta a mim, dançando também. Sorrio com a ideia.
Refreada pelo meu “grilo falante”, limito-me a oscilar um pouco a cabeça, marco o ritmo levemente com as mãos e um dos pés. A irritação passou. Sinto-me bem. Que se dane o comboio e o trabalho, já nem sequer penso nisso, simplesmente aproveito o momento.
É estranho este poder que a música tem sobre nós. A forma como reagimos a um simples conjunto de vibrações sonoras, ocorrência básica da física que no entanto tem o poder de nos transformar. E de transformar instantes da nossa vida.
O comboio atrasa-se ainda mais do que o previsto. Mas já não me incomodo. Estou viva e está um dia bonito. O resto não interessa.