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A vida e outros acasos

A vida é uma coisa. O amor é outra. (Miguel Esteves Cardoso)

A vida e outros acasos

A vida é uma coisa. O amor é outra. (Miguel Esteves Cardoso)

O escritor

 

Havia um escritor que tinha o dom de nos contar histórias maravilhosas, onde a realidade crua e a magia se fundem tão naturalmente que temos dificuldade em perceber onde acaba uma e começa outra.

Um escritor que criou personagens ao mesmo tempo místicas e profundamente humanas, terríveis e ternas, implacáveis e sofredoras, que ele descreve e desnuda até ao mais íntimo dos seus seres com uma tal mestria que ao lê-lo acreditamos que somos nós ali, naquelas linhas, e que aquelas histórias são a nossa.

Um escritor que nos transporta a lugares tão palpáveis e verídicos como simultaneamente fora do tempo, fora deste mundo.

Ler um qualquer dos seus livros é uma experiência incomum e quase transcendental, é voar nas asas da imaginação e viver mil vidas diferentes, e regressar com o espírito enriquecido e o coração mais quente.

Havia um escritor que respirava, e andava, e falava, e vivia. Um patriarca cujo outono foi uma espécie de morte já anunciada, cujo nome foi aproveitado, e citado e usurpado vezes sem conta, para lhe atribuírem palavras que nunca disse nem escreveu.

Dizem agora que morreu. Só que isso não é inteiramente verdade.

Morreu o homem. Mas o escritor, esse permanece connosco nas páginas dos seus livros, na voz das suas personagens e no imaginário dos seus leitores. O escritor viverá para sempre, e para nosso contentamento. O seu nome? Gabriel Garcia Márquez.

 

 

A senhora dos livros

 

Livros.

Livros grandes, pequenos e assim-assim.

Livros em prateleiras e em estantes.

Livros que mostram as suas capas coloridas.

Livros que apenas deixam entrever a sua lombada discreta.

Livros que se escondem atrás de livros.

Livros emprestados que nunca regressam.

Livros que regressam de uma ausência prolongada, acolhidos como um filho pródigo.

Livros que vagueiam sobre as mesinhas ou os sofás.

Livros que correm todas as divisões da casa.

Livros ao sol na espreguiçadeira da varanda.

Livros na mala de viagem, sempre.

Livros no banco do carro.

Livros para cá a para lá, na pasta de trabalho de todos os dias.

Livros com marcadores entre páginas.

Livros amarelados pelo tempo, as cores da capa comidas pelo sol.

Livros sem um vinco, ainda cheirando a novo.

Livros devorados em poucas horas e livros nunca acabados de ler.

Livros numa pilha à espera de serem lidos.

São assim os meus livros. São muitos. E eu não vivo sem eles.

 

Pequeno-almoço com os pássaros

 

Hoje tomei o pequeno-almoço com os pássaros.

O dia clareava devagar, um céu brilhante mas ainda sem sol à vista.

A caneca de café com leite aquecia-me as mãos, a manteiga derretia na torrada.

Andorinhas cruzavam a janela grande da cozinha em voos rápidos, imitando flechas negras.

Um pintassilgo lançou no ar a sua canção operática, feita de trinados e gorjeios inimitáveis, sem dar uma única fífia.

Veio depois o arrulhar de uma rola, não sei se vadia ou cativa, aquele “cucurru” cadenciado e hipnotizante.

Na acalmia que se seguiu, a ausência de sons humanos ainda deixou que subisse até mim o piar de alguns pardais, habitantes regulares do jardim.

Esta manhã prolonguei mais do que o habitual a minha primeira refeição do dia, deixei-me ficar mais algum tempo a aproveitar a vida.

Porque hoje tomei o pequeno-almoço com os pássaros, e soube-me bem.

 

 

 

A lua é a mesma

 

Noite morna de Verão num ano qualquer. A lua sobe no horizonte, assomando por detrás da muralha do forte. Cheia e brilhante, deixa no mar de breu um rasto leitoso.

Os teus braços rodeiam os meus ombros, o teu rosto encostado ao meu, os dois olhando na mesma direcção.

Um cenário de paz, uma sensação de segurança, o meu coração preenchido e em sossego.

É isto a felicidade.

 

Noite fresca de Outono alguns meses depois. A lua mostra-se entre nuvens esparsas que mancham o céu num dégradé de tons cinzentos, pairando sobre os telhados. Cheia e com um halo à volta, prometendo chuva.

Estou atrás das vidraças, olhando as árvores e a serra, sentindo o frio da noite que se instala e as saudades dos braços que estão longe, roubados aos meus pelo dever.

Longe daqui há uma ilha onde a mesma lua se ergue atrás de um anfiteatro natural iluminado por milhares de luzes, e onde tu a prendes para sempre numa fotografia.

A minha felicidade está a mil quilómetros de distância.

 

Noite gélida de Inverno vários anos passados. A lua exibe-se sobre o rio e a ponte, atraindo os olhares. Cheia e bela, dona do céu nocturno.

Estou sozinha dentro do carro que conduzo rumo a mais uma noite longa. Já há muito tempo que não sei o que é sentir os teus braços à volta dos meus, desde que partiram para outros abraços.

A noite está calma e eu conduzo descontraída, mas por vezes o pensamento foge-me para outras realidades.

O meu coração está adormecido e a felicidade é apenas sonhada.

 

Noite perfumada de Primavera num ano indefinido. A lua paira por cima das árvores, iluminando a noite. Cheia e provocante, enchendo a noite de promessas.

Passo o portão do parque e no espaço amplo e aberto do pátio empedrado distingo logo a tua silhueta. Dás-me um beijo de boas vindas e os teus braços fecham-se sobre as minhas costas.

Aspiro o teu cheiro ainda familiar e o mundo volta a fazer sentido.

A minha felicidade regressou. E a lua é (ainda e sempre) a mesma.

 

  

 

 

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