Havia um escritor que tinha o dom de nos contar histórias maravilhosas, onde a realidade crua e a magia se fundem tão naturalmente que temos dificuldade em perceber onde acaba uma e começa outra.
Um escritor que criou personagens ao mesmo tempo místicas e profundamente humanas, terríveis e ternas, implacáveis e sofredoras, que ele descreve e desnuda até ao mais íntimo dos seus seres com uma tal mestria que ao lê-lo acreditamos que somos nós ali, naquelas linhas, e que aquelas histórias são a nossa.
Um escritor que nos transporta a lugares tão palpáveis e verídicos como simultaneamente fora do tempo, fora deste mundo.
Ler um qualquer dos seus livros é uma experiência incomum e quase transcendental, é voar nas asas da imaginação e viver mil vidas diferentes, e regressar com o espírito enriquecido e o coração mais quente.
Havia um escritor que respirava, e andava, e falava, e vivia. Um patriarca cujo outono foi uma espécie de morte já anunciada, cujo nome foi aproveitado, e citado e usurpado vezes sem conta, para lhe atribuírem palavras que nunca disse nem escreveu.
Dizem agora que morreu. Só que isso não é inteiramente verdade.
Morreu o homem. Mas o escritor, esse permanece connosco nas páginas dos seus livros, na voz das suas personagens e no imaginário dos seus leitores. O escritor viverá para sempre, e para nosso contentamento. O seu nome? Gabriel Garcia Márquez.
Noite morna de Verão num ano qualquer. A lua sobe no horizonte, assomando por detrás da muralha do forte. Cheia e brilhante, deixa no mar de breu um rasto leitoso.
Os teus braços rodeiam os meus ombros, o teu rosto encostado ao meu, os dois olhando na mesma direcção.
Um cenário de paz, uma sensação de segurança, o meu coração preenchido e em sossego.
É isto a felicidade.
Noite fresca de Outono alguns meses depois. A lua mostra-se entre nuvens esparsas que mancham o céu num dégradé de tons cinzentos, pairando sobre os telhados. Cheia e com um halo à volta, prometendo chuva.
Estou atrás das vidraças, olhando as árvores e a serra, sentindo o frio da noite que se instala e as saudades dos braços que estão longe, roubados aos meus pelo dever.
Longe daqui há uma ilha onde a mesma lua se ergue atrás de um anfiteatro natural iluminado por milhares de luzes, e onde tu a prendes para sempre numa fotografia.
A minha felicidade está a mil quilómetros de distância.
Noite gélida de Inverno vários anos passados. A lua exibe-se sobre o rio e a ponte, atraindo os olhares. Cheia e bela, dona do céu nocturno.
Estou sozinha dentro do carro que conduzo rumo a mais uma noite longa. Já há muito tempo que não sei o que é sentir os teus braços à volta dos meus, desde que partiram para outros abraços.
A noite está calma e eu conduzo descontraída, mas por vezes o pensamento foge-me para outras realidades.
O meu coração está adormecido e a felicidade é apenas sonhada.
Noite perfumada de Primavera num ano indefinido. A lua paira por cima das árvores, iluminando a noite. Cheia e provocante, enchendo a noite de promessas.
Passo o portão do parque e no espaço amplo e aberto do pátio empedrado distingo logo a tua silhueta. Dás-me um beijo de boas vindas e os teus braços fecham-se sobre as minhas costas.
Aspiro o teu cheiro ainda familiar e o mundo volta a fazer sentido.
A minha felicidade regressou. E a lua é (ainda e sempre) a mesma.